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O PT continua na Z4, concorda ou discorda? Sejamos francos!


Por Hilton Marques

Uma reflexão séria e pontual, não faz mal a ninguém, não é ofensa e nem ataque, é necessário haver coerência em nossas vidas, principalmente quando estamos falando de uma ferramenta de luta que atinge milhões de trabalhadoras e trabalhadores. A história esta aí, em 2016 caímos e perdemos mais da metade das prefeituras no país. Perdemos em um mapa um número muito grande de pessoas que eram administradas por Prefeituras Petistas diretamente, fora ainda o número de vereadoras e vereadores que tínhamos.

Estamos em 2024 e o crescimento ainda da nossa evolução é ruim, muito abaixo daquilo que poderia ser, temos um Governo, mas partidariamente não temos avanços organizativos que consigam pensar e desenvolver uma estratégia mais efetiva e próxima das direções partidárias.  

Não podemos querer responsabilizar Governo ou Lideranças do mesmo por conta de não conseguir atingir de forma expressiva os resultados eleitorais. Muito pelo contrário, a história deixou marcas profundas no impeachment de Dilma Rousseff, da qual deveríamos ter aprendido muito rapidamente, principalmente em fortalecer o diálogo e a construção mais próxima com os movimentos sociais, é neste ponto que estamos sendo devorados pela direita. Existe um projeto de desconstrução de organizações sociais, de setores organizados que sempre dialogamos muito bem e construímos políticas públicas. Existe ainda em sua cidade associações de bairros? Existe lideranças que representam as reivindicações locais? A quem estão conectados quando existentes? Estão atuando com consciência de classe?

O PT sempre cresceu priorizando grandes centros, população eleitoral, cidades com televisão, porém não se pode esquecer que dentro deste enorme país as minorias somadas juntas também são números importantes e que carecem de atenção e ações, carecem de estrutura partidária e de um acompanhamento mais próximo. Como pensar por exemplo ganhar um governo estadual sem haver harmonia e crescimento partidário dentro de um estado> Se houvessem mudanças significativas, os resultados seriam certamente muito mais positivos. Precisamos sair do tradicionalismo modo de pensar a gestão de um partido e se aventurar neste mar sem medo e receio, buscando o crescimento e o diálogo principalmente com nossas bases. Não é apenas ouvir e sim agir, compreender e atender. É necessário repensar a fisiologia funcional do partido, é necessário que os próprios filiados repensem aqueles que estarão a frente das direções estaduais e nacionais, para que de fato se debrucem em organizar e alavancar o Partido e não como canal de projeção individual.

Temos que sair da sombra de Lula e começar a produzir sombra fresca também, temos que voltar a nos conectar com as pessoas através de ações que resgatem o brilho de esperança nos olhos das pessoas. Pensar estrategicamente 2026 e 2028, passa por algumas perguntas que devemos responder. Como avançar? Quais serão as lideranças que vamos potencializar? Como vamos nos aproximar das direções locais e desburocratizar as relações? Como vamos nos desdobrar em cada estado para criar um diálogo mais próximo e uma construção mais sólida e estratégica?

A articulação política tem um papel importante também neste jogo de cintura e tem que ser pensado, porém, só haverá sucesso se houver sintonia e diálogo em todas as instâncias, sejam municipais, estaduais e federal. Cada vez mais os mandatos tem se debruçado sobre regiões e se instalado com facilidade, temos uma direita que não apenas visita, mas que inclusive mantém escritórios e são braços de administrações locais. Usam e abusam de uma estrutura administrativa para fortalecerem seus mandatos, usam muito bem da máquina para manterem fortes lideranças locais, aprenderam muito com Mário Covas que instalou uma estrutura que manteve a muitos anos o próprio PSDB enraizado no Estado de São Paulo por exemplo.

Ainda há esperança, com Lula continuamos a quebrar recordes e ultrapassar o cenário mais pessimista que pensavam sobre este governo, porém, a sensação ainda é de patinar em grande maioria das pessoas, precisamos ultrapassar e combater as desinformações e mentiras. Para isso, precisamos primeiro mudar o sentimento das pessoas, sobre tudo, fazer com que se sintam parte desta mudança, para que voltem empunhar suas bandeiras de luta com orgulho e esperança.

O crescimento que buscamos passa pela necessidade de realmente querer entender todo processo, de ousar mais e de aplicar ações diferente do tradicional modo de pensar a política.

 

Hilton Marques
Vereador
PT Jales/SP


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O vaivém da fome – Dimas Ramalho


De todas as divisões que atravessam a sociedade brasileira, a mais cruel e indigna é, sem dúvida, aquela que separa os que têm o que comer daqueles que passam fome. Se historicamente a chaga da fome pode ser explicada por nossos profundos problemas socioeconômicos, o fato de persistir com tanta força até hoje soa paradoxal: o país em que milhões não conseguem alcançar a nutrição básica diária é o mesmo que propagandeia alimentar o planeta com suas safras recordes.

Não faz muito, houve um momento em que essa tragédia nacional parecia próxima de ser superada. Infelizmente não foi o que aconteceu. A grave crise econômica da década passada e a pandemia de Covid-19 fizeram com que parte considerável desses avanços fosse perdida. Hoje, depois de alguma recuperação nos últimos anos, nos encontramos como na imagem do copo meio cheio, meio vazio –ou melhor, do prato.

Segundo dados da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) divulgados recentemente pelo IBGE, o Brasil tinha, em 2023, cerca de 64 milhões de pessoas morando em domicílios classificados com algum grau de insegurança alimentar. Esse enorme contingente vivia em 21,6 milhões de domicílios, os quais correspondiam a 27,6% do total de habitações do país à época.

Trata-se –e esse é o prato meio cheio– de uma redução significativa frente ao levantamento anterior, relativo ao período 2017-2018, quando a insegurança alimentar atingiu a indecente proporção de 36,7% dos domicílios do país.

Por outro lado, o prato meio vazio é o fato de que não apenas quase 3 em cada 10 moradias brasileiras enfrentam algum grau de insegurança alimentar como ainda nos encontramos numa situação pior do que há uma década, quando esse índice era de 22,6%.

O conceito de insegurança alimentar utilizado pelo IBGE divide-se em três níveis e considera tanto a quantidade como a qualidade da comida que é posta na mesa. O primeiro nível, denominado leve, refere-se à preocupação ou à incerteza quanto ao acesso aos alimentos no futuro. Nessa condição, a qualidade da alimentação pode ser afetada para não comprometer a quantidade. A moderada, por sua vez, alude a modificações nos padrões habituais da alimentação entre os adultos de um domicílio concomitante à restrição na quantidade de comida.

Já a insegurança alimentar grave caracteriza-se pela ruptura do padrão usual de alimentação, com comprometimento da qualidade e redução da quantidade de comida de todos os membros da família, inclusive das crianças. É a fome. No ano passado, de acordo com o IBGE, 8,7 milhões de brasileiros enfrentavam essa situação obscena. 

Em “Quarto de Despejo”, o diário em que Carolina Maria de Jesus narra a dura rotina numa favela paulistana nos anos 1950, a catadora de papel escreve que a tontura da fome é pior que a do álcool. “A tontura do álcool nos impele a cantar. Mas a da fome nos faz tremer. Percebi que é horrível ter só ar dentro do estômago”. Buscando a sobrevivência própria e dos filhos nos lixos da metrópole, Carolina encontrou a cor da fome. Ela descobriu que todas as coisas –o céu, as árvores, as pessoas, os bichos – ficavam amarelas quando a falta de alimentos no corpo atingia o limite do suportável.

A experiência devastadora da fome também foi registrada por Nelson Rodrigues. O escritor descreve em suas memórias o horror que se abateu sobre sua família após a morte do pai e o fechamento do jornal que provia o sustento de todos. “Não tinha roupa ou só tinha um terno; não tinha meias e só um par de sapatos (…); e quantas vezes almocei uma média e não jantei nada?”. Nesse tempo de extremas privações, conta Nelson, ele chegou a transformar-se em outro. “Assim como não me reconheço na adolescência, também não me reconheço na fome. Durante aquele período, a fome apagou minha identidade. Eu não era eu mesmo”.

Em 2014, parecia que histórias como essas se tornariam em breve coisa apenas do passado. Naquele ano, o Brasil saiu do Mapa da Fome das Nações Unidas, instrumento que avalia e monitora a situação alimentar em todo o mundo. Na metodologia da ONU, um país deixa de pertencer a esse grupo quando menos de 2,5% de sua população sofre com a falta crônica de alimentos. 

Isso, claro, não aconteceu por acaso. Por trás dessa conquista civilizacional estavam décadas de políticas públicas consistentes e bem-sucedidas, como amplos programas de transferência de renda, incremento na merenda escolar e incentivos à agricultura familiar. De 2002 e 2014, por exemplo, o percentual de brasileiros considerados em estado de subalimentação caiu impressionantes 82%.

Mas a esperança durou pouco. A profunda recessão econômica dos anos seguintes fez com que, já em 2018, o Brasil voltasse a figurar no mapa da ONU. Esse quadro se agravaria ainda mais com a pandemia e a fragilização das políticas de segurança alimentar ocorrida em sequência. Apesar de tantos retrocessos, a melhora verificada pelo IBGE no ano passado traz um sinal auspicioso. 

Josué de Castro, o homem que revolucionou o estudo da miséria no Brasil, disse uma vez que o primeiro direito humano é o de não passar fome. O país já mostrou que sabe como vencer o mal da insegurança alimentar; cumpre agora retomar esse caminho.

*Dimas Ramalho é Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.